Um pouco da História oceanográfica do Baleal e de Peniche
por Marcos Bairros
 
Peniche, o Baleal e mesmo as Berlengas terão, noutros tempos, estado ligados ao continente, pois entre o litoral e essas ilhas a profundidade máxima é de 42 metros. Este facto é revelador de o quanto pode mudar a configuração do litoral em consequência das variações do nível do mar. No entanto, interessa analisar a evolução desta área a partir do momento em que a transgressão marinha torna os rochedos em ilhas.
Normalizado o fenómeno das glaciações, estacionado o clima europeu e estabilizada a variação do nível do mar, Peniche encontra-se, nos alvores da Nacionalidade, rodeada de mar por todos os lados, sendo possível vogar com toda a facilidade para a navegação da época, do Baleal à Consolação. No século XII é possível navegar entre o Baleal, Peniche e a Atouguia da Baleia, esta última, actualmente distante do mar em linha recta cerca de três quilómetros.
Um dos aspectos fundamentais na formação da península de Peniche, o assoreamento do estuário do Rio de S. Domingos, parece iniciar-se, ou evidenciar-se durante os séculos XIV e XV. Lento mas progressivo, este processo levou a que D. Duarte ordenasse o seu desassoreamento mas a partir desta altura, e no decorrer da décadas seguintes, deve o assoreamento ter prosseguido irremediavelmente, começando, certamente, por dar vida a dunas que se estenderiam entre o Baleal e a Camboa.
Na origem desta grande quantidade de sedimentos depositados nesta área devem ter concorrido fundamentalmente dois factores: o primeiro a subida do nível médio do mar, com as águas a invadirem o estuário do rio de S. Domingos; o segundo, não menos importante, terá sido um extraordinário fornecimento sedimentar colocando grande quantidade de areia no litoral. A invasão das águas do mar no estuário de um rio, faz com que a zona de mistura suba para montante. Os sedimentos transportados pelo rio passam a depositar-se nessa zona, funcionando essa área como uma "armadilha" de sedimentos impedindo a sua drenagem para a plataforma. O primeiro aspecto deve no entanto ter ocorrido há cerca de 5.000 anos, pois é desde então que o nível do mar se encontra relativamente estabilizado e a uma cota aproximada à actual. O segundo aspecto, o extraordinário fornecimento sedimentar, parece ocorrer numa escala temporal secular e intensificar-se a partir do final do século XIV e sobretudo nos séculos seguintes.
José Mendes afirma que o processo de assoreamento teria sido grandemente acelerado pela plantação do pinhal de Leiria - esta hipótese parece no entanto pouco provável. Na realidade a origem deste processo estará aparentemente relacionada com a alteração climática verificada na Península Ibérica, que se inicia durante o século XV e prolonga-se até ao final do século XVII, sendo seu impacte sentido especialmente em Portugal. Esse período, designado por "Pequena Idade do Gelo", é caracterizado por taxas de pluviosidade extremamente elevadas e por uma ligeira descida do nível do mar. A verificarem-se estas condições, é possível que todo o troço costeiro para norte (e o próprio canal marítimo entre a Atouguia e Peniche) tenha sido fornecido com quantidades elevadas de sedimentos de origem fluvial, cuja drenagem para o litoral foi facilitada pela descida do nível do mar, colocando-os à disposição da deriva litoral . Do século XVI em diante a distância que separa o continente de Peniche encurta progressivamente e durante o século XVII até ao final do século XVIII o istmo formado alarga e consolida-se, sendo no entanto frequente a sua imersão durante as marés altas e ainda no século XIX nas marés equinociais.
 
UM OLHAR PARA O FUTURO
O Baleal, à semelhança de outras áreas costeiras, tem vindo a sofrer um impacto humano acrescido, sobretudo desde há 15 anos a esta parte. Com o acesso facilitado iniciou-se a construção próximo de zonas extremamente sensíveis, como as dunas e as arribas. A falta de ordenamento na implantação de apoios de praia e o consequente acesso indiscriminado às dunas, levou ao enfraquecimento da cobertura vegetal promovendo e facilitando a erosão eólica e marinha.
A construção de infra-estruturas e equipamentos turísticos próximo das dunas a sul do Baleal e o acesso descontrolado às praias através dessas dunas, têm promovido a progressiva degradação das mesmas, aumentando bastante a sua vulnerabilidade em episódios potencialmente erosivos.
O aumento, em algumas décimas de centímetros, do nível médio do mar, terá consequências graves para muitas áreas costeiras, sendo a mais evidente a inundação e erosão do litoral. Um aumento do nível do mar, aumentaria o tamanho da ondulação, pois as ondas passariam a propagar-se em profundidade superiores. As defesas costeiras, optimizadas para as condições extremas actuais, ficariam desadequadas com esse aumento do nível do mar e as novas condições de ondulação.
FIM
 
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