Se há frases que, mais injustamente, firam a sensibilidade e a reputação de uma comunidade honesta e hospitaleira, a dos "amigos de Peniche" - no seu vulgar sentido pejorativo de amigos desleais, amigos de quem é bom fugir... - é uma delas. E, contudo, ainda há quem, ingénua ou maldosamente, teime em não reconhecer o inconveniente dessa injustiça, afrontando a nunca desmentida hospitalidade dos penichenses, quer através de impensados comentários de imprensa, ou de simples títulos de caixa alta, a encabeçar, atrevidamente, notícias de acções de gente desleal, quer até no desenvolvimento temático de peças de teatro ou películas cinematográficas.
Mas o penichense continua a responder à ofensa com a sua honradez e hospitalidade, e, sempre que possível, conta uma história a propósito...
 
Tendo D. Henrique morrido sem deixar descendência, surgiram naturalmente, como pretendentes ao trono de Portugal, três netos de D. Manuel: Filipe II, rei de Espanha, D. Catarina de Bragança e D. António, Prior do Crato. Era ao primeiro aquele a quem a força dava mais direitos, demais coadjuvado pela perfícia que, ao tempo, grassava na corte portuguesa; e um exército espanhol, comandado pelo duque de Alba, invadiu o Alentejo, tendo Filipe sido proclamado rei de Portugal.
 
Não o reconheceu, todavia, D. António que, mercê de mil e uma habilidades diplomáticas, conseguiu que Isabel Tudor, rainha de Inglaterra, pusesse à sua disposição uma armada de cerca de 20 000 homens e "cento e sessenta navios grandes e pequenos" para, com ela, reivindicar os seus direitos; e, a 26 de Maio de 1589, os penichenses viram desembarcar na sua praia do sul parte dos soldados desse exército, comandados pelo general John Norris.
 
Depois de uma leve escaramuça com a guarnição da Fortaleza - a que não faltaria , sem dúvida, a indiferença dos poucos portugueses às ordens do oficial castelhano D. Pedro de Gusmão e que suporiam, talvez, que com a chegada dos bretões seria possível a expulsão do invasor filipino - , a praça foi tomada e o exército inglês caminhou sobre a capital, ao mesmo tempo que sob o comando do almirante Francis Drake, a esquadra que o desembarcara em Peniche rumava a caminho de Cascais.
 
Entretanto, entre o receio de uns e alegria de outros, chegava a Lisboa a nova do desembarcar de D. António, passando, entre os seus partidários, a segredar-se, num anseio de esperança: "Vêm aí os nossos amigos... Vêm aí os nossos amigos que desembarcaram em Peniche..."
 
Mas o exército invasor e sem que o Prior do Crato tivesse força suficiente para o evitar, avançava na maior das indisciplinas, devastando e roubando as terras por onde passavam - Atouguia, Lourinhã, Torres Vedras, Loures... -, até que, tendo chegado às portas da cidade, acampou nos altos do Monte Olivete onde, pouco depois, os canhões do castelo de São Jorge, por ordem de D. Gabriel Niño, começaram a despejar metralha.
 
Grande foi a surpresa de John Norris em face deste bombardeamento, pois D. António para conseguir o indispensável auxílio do exército inglês, teria provavelmente garantido não haver necessidade de combater, visto que seria festivamente recebido em Portugal. E o acampamento foi mudado para a Boa Vista e Bairro Alto, de onde, após em breve recontro com os castelhanos, retirou de novo, desta vez para a Esperança.
Dentro das muralhas e durante todas estar manobras, a ansiedade patriótica dos "antonistas" continuava segredando a ocultas : "será hoje que chegam os nossos amigos? Virão hoje os nossos amigos de Peniche?..."
CONTINUA
 
OS AMIGOS DE PENICHE
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